Demônios Ocultos
- Francyla Bousquet
- 15 de abr. de 2019
- 2 min de leitura

Muitos anos antes de toda essa ciranda médica começar, me lembro do dia em que meu pai chegou em casa com o rosto cortado, camisa ensaguentada, trazido por um colega de trabalho. Havia desmaiado, após tomar uma água super gelada, num dia daqueles de verão que bem conhecemos.
Nem preciso dizer que tomei um baita susto, ver meu pai chegando em casa abatido daquele jeito... Até então, ele só havia tido uma queda na qual fraturou o tornozelo... ah, e uma crise renal – a única vez que vi meu pai chorar. E olhem que àquela altura eu já deveria estar com uns 18 anos...
Ele era quase um Super Homem, forte como um touro, como se costuma dizer.
Será?
Hoje, avaliando a situação em que meu pai está, percebo que havia muito tempo que o mal da hipertensão já o rondava. Mas, como saber se ele, assim como todos os homens, os chefes de família, os provedores da casa, aqueles que fazem e acontecem, não vão ao médico?
Homens não choram, homens não se fragilizam, homens não adoecem, homens se viram. Quanta carga, Deus do céu! Ainda assisto amigos de meu pai dizerem que só vão ao médico quando já estão morrendo. Que coisa mais desprovida de senso!
Percebo que nós, mulheres, também estamos sendo acometidas desse mal – somos as Super Mulheres. Eu mesma me encaixo bastante nessa categoria. Nós, que somos arrimo financeiro e/ou psicológico para os nossos, não podemos fraquejar, não podemos ter dúvidas, não podemos adoecer, não podemos errar – afinal, o que será dos demais se assim fizermos?
Quem acredita numa pessoa que não tem fragilidades? Que não tem dúvidas? Que não adoece, quem não precisa ir ao médico? A quem essa pessoa quer enganar, além de si própria? Que mensagem ela quer passar - a de que as pessoas fortes são aquelas com as quais nada acontece? Mas isso sequer é humano...
Será que nós acreditamos realmente nisso? Será que estamos cobrando isso de alguém?
Recordo de algumas crises passadas, quando o caminho de repende estreitou, minhas ‘soluções’ se esgotaram e, só então, tive os meus melhores insights... Penso que há coisas que só conseguimos ver e entender no fundo de nossas fragilidades. É preciso deixar elas chegarem, acolhê-las, aprender com elas. E depois tratá-las e deixá-las ir, porque o medo não é um bom conselheiro.
Fico olhando para meus pais, vendo suas respectivas dificuldades em assumir que não podem mais fazer determinadas coisas e me pondo no lugar deles. Preciso começar a me convencer hoje que todos os meus “eu posso” têm prazos de validade - só assim terei reais chances de uma vida feliz no amanhã.
Quando eu envelhever, quero que meus abraços sejam cheios de empatia pelas pessoas que têm a coragem de mostrar suas fragilidades e dizer a elas que está tudo bem – há outras maneiras de fazer e todos nós sempre as encontramos.
Abraço apertado. Paz e bem p vcs.
Até semana que vem.
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