Que tiro foi esse?
- Francyla Bousquet
- 7 de abr. de 2019
- 4 min de leitura

Um dia recebi um telefonema dizendo que meu pai estava internado. Como assim internado? Tinha falado com ele naquele mesmo dia, mais cedo e estava tudo bem?? Eu não sabia ainda, mas depois desse dia de setembro de 2016 minha vida nunca mais seria a mesma, nunca mais eu teria o controle de minha rotina, de meus dias, nunca mais teria minha liberdade de volta... assim achei, até bem pouco tempo.
Levo ao pé da letra o entendimento de que Deus não nos dá carga superior à nossa força. Mas confesso que fiquei muito brava com Ele por me colocar naquele sufoco. Lidar com médicos que falavam comigo como se fosse um colega de profissão foi o primeiro desafio – não entendia nada do que me diziam, aquele monte de termos técnicos... me recordo que, na minha imaginação, dava um murro na mesa e dizia “Falem português, porra – eu sou arquiteta, não sou médica!!” - quem já viu o divertido seriado Ally McBeal conhece o tipo de cena à qual me refiro. Mas estava tão atordoada que não me sentia à vontade para organizar essa comunicação de maneira proativa.
Minha única irmã morava (ainda mora) a quilômetros de distância, marido, duas filhas pequenas, emprego... como ela poderia estar aqui? Embora recebendo apoio dela à distância, seria eu que teria que lidar com esse universo hospitalar que sempre detestei. Aliás, este será tema de um capítulo à parte.
Meu arrimo era pensar que eu não seria a primeira filha a estar numa situação dessas – muitas outras filhas deveriam estar, ao mesmo tempo, lidando com as mesmas dificuldades que eu, talvez até em circunstâncias mais adversas. Assim sendo, me obriguei a enxugar as lágrimas, segurar minha onda e o mimimi e arregaçar as mangas. A tarefa era não só cuidar de meu pai - que então já sabíamos que estava com uma grave lesão cardíaca e precisaria passar por uma cirurgia de emergência -, mas também de minha mãe, com suas fragilidades de saúde e sem entender bem qual papel teria condições de assumir naquele quadro, durante a passagem do tufão que alterou definitivamente as nossas vidas.
Hoje faço uma avaliação interessante de alguns momentos desse período. Relembro que, ao receber o diagnóstico do cateterismo que atestou a tal lesão cardíaca, deixei meu pai numa das UTIs daquele hospital e segui pra casa de dele, levando suas roupas e sapatos. Chorei todo o meu medo durante aquela noite, vestida com seu paletó – medo do desconhecido, medo da chegada de um provável futuro sem ele. Eu que raramente chorava. Achei realmente que iria perdê-lo, sua situação era muito delicada. Entendo que foi naquela noite que de fato fiz minha transição para a vida adulta.
A impossibilidade de poder transferir para alguém a responsabilidade de cuidar daquela situação me fez entender o real sentido da já desbotada expressão “tirar forças de onde não havia”. De repente minha vida não tinha mais espaço para o meu trabalho, para as minhas necessidades. E, apesar de naquela altura do campeonato já ter vivido um casamento, estar morando sozinha e cuidando de meu escritório, nunca havia me sentido na posição de alguém cuja família conta e depende de sua dedicação. A bola estava no meu pé e eu acabara de descobrir que eu não sabia jogar futebol...
Temos, todos, um reservatório de força, acessado apenas pela chave da vontade (ou da necessidade). Pedir socorro, dizer que não podia, que não sabia, ter uma repentina viagem de trabalho não eram opções válidas. Minha determinação em fazer o que me incumbia me fez ter vontade suficiente de entrar nessa competição pela vida de meu pai – tudo o que fosse preciso (dentro de nossas possibilidades), da melhor maneira possível, no prazo mais curto possível, com amor.
Mas o desenrolar dos fatos não foi como nos filmes, quando um dos personagens tem uma revelação e a partir dali tudo flui – pelo menos não foi o que me pareceu: muitas noites dormidas no hospital, muitos cafés alimentando minha gastrite, unhas roídas aguardando resultados de exames, o aparecimento de mais um câncer, mais uma cirurgia, várias internações, além de algumas emergências durante a madrugada nas quais levei meu pai de volta ao hospital e voltei pra casa sem ele...
Minha força já não era grande coisa àquela altura e esta foi (e continua sendo) uma lição importante nesse processo – reconhecer que não daria conta sozinha, não esconder minha fragilidade, pedir ajuda e receber apoio de amigos e família que, mesmo distantes, formaram uma linda corrente de amor em torno de mim, de nós.
O ano de 2019 está correndo e continuo aqui, com eles - firme, cansada, forte, esperançosa, brava, frágil, fazendo acontecer, sendo ajudada, recebendo inspiração, estimulando, feliz com as nossas pequenas conquistas... Afinal, esta é a beleza do aprendizado – o melhor não está no final, o melhor é o próprio decorrer do caminho.
Essa foi comprida, não é? Muito assunto.
Abraço apertado. Paz e bem p vcs.
Até semana que vem.
Mais um momento lindo de sua história, querida!! O seu crescimento diante desses desafios é encantador!!!